Jazz em Agosto 2010: entrevista a Rui Neves
O outro lado do jazz chega a Lisboa no próximo mês de Agosto. O festival da Fundação Gulbenkian começa no dia 6 com a dupla John Surman e Jack DeJohnette, encerrando duas semanas depois, Domingo 15, com o colectivo transnacional e plurigeracional Circulasione Totale Orchestra. Entre estas duas datas, o cartaz da 27ª edição do Jazz em Agosto, continua o trabalho ímpar de divulgação das músicas criativas da nossa contemporaneidade. Destacaremos a programação do JeA 2010 ao longo das próximas semanas. Arrancamos com cinco questões colocadas ao programador do festival, Rui Neves.
JeA 2010, "o outro lado do Jazz". Bright side or dark side? O JeA é um festival de Jazz underground?
Não de todo, creio, embora haja sempre nas programações o que possa ser considerado underground, que é, de resto, uma designação datada: hoje, a bem dizer, não existe quase nada underground, tudo está recuperado e não é possível guardar segredos; o termo apareceu nos meados do séc. XX e ficou desgastado pela realidade emergente e eu próprio vivi essa época. O actual processo de globalização e desenvolvimento tecnológico acabou por permitir trazer tudo à luz do dia, o que, por outro lado, fez aumentar o nível do lixo dos pleonasmos e sequelas, ou seja, inutilidades. Assiste-se mesmo à imposição e homologação nos media de propostas artísticas duvidosas apresentadas como undergroundsegredos bem guardados e que pouco significam. Ora, é preciso saber separar o trigo do joio.
O outro lado do jazz que o JeA refere e entendemos adoptar esta forma mais imediata de comunicação, explica-se mais pelas direcções alternativas, selectivas e inovadoras do jazz que o festival tem veiculado sincronicamente com os tempos, porque o jazz é música em constante mutação.
Continuamos com a dialéctica Europa / América. Gostava de focar a Europa. Actualmente, quais sãos os pólos geográficos mais interessantes? Escandinávia? Alemanha? França? UK?
É precisamente pela dialéctica Europa = América que surge o jazz mais criativo e interessante na actualidade e no Hemisfério Norte, hegemonicamente, embora a dialéctica se exerça também em relação a quase todo o mundo. O próximo futuro revelará os efeitos da mundialização desta linguagem que, por enquanto, ainda está muito enfeudada a exotismos de world music que se esfregam na superfície do jazz.
Como pólos geográficos do jazz de ponta, o mais criativo, o que mais interessa, afinal, nomeio os palcos das metrópoles como Nova Iorque, Chicago, Paris, Londres, Berlim, Tóquio e cidades como Amesterdão, Bruxelas, Oslo, Copenhaga, Sydney, porque se constituem como plataformas de oportunidades, ponto de encontro de músicos, de reconhecimento e de mais eficaz distribuição. O jazz não é música rural, é música das grandes cidades, alimentando-se de outras, tal como, nos primeiros tempos, se alimentou dos standards da Broadway.
Portugal está fortemente representado na edição 2010 do JeA. Entrou no mapa do Jazz contemporâneo?
O Jazz em Agosto sempre apresentou realidades nacionais com parcimónia, isto é, com sentido de exigência e oportunidade em revelar projectos diferentes pouco conhecidos. Que não se esqueçam os primeiros projectos de António Pinho Vargas, Mário Laginha, Zé Eduardo ou Carlos Martins nos anos 1980. Na edição deste ano e depois de dois anos sem representações portuguesas, tanto o RED TRIO como o OPEN SPEECH TRIO do flautista Carlos Bechegas - contrastantes entre si - comprovam que a distância é agora menor entre o que, em áreas inovadoras, existe internacionalmente e nacionalmente.
O Jazz actual relaciona-se bem com a electrónica live? Que expectativas para o concerto do Electro-Acoustic Ensemble de Evan Parker?
Miles Davis nos fim dos anos 1960, é sabido, começou a usar instrumentos electrónicos no jazz: o piano eléctrico Fender Rhodes e a beneficiar do trabalho de pós produção em estúdio de Teo Macero. Desde então, com o surto tecnológico e na transição da era analógica para a nova era digital, os horizontes expandiram-se de tal maneira que ninguém se surpreende que agora se utilizem laptop’s acrescidos ao jazz. A música do EPEAE, embora não seja 100% jazz tem nela contidos e em relevância, solistas de jazz; a envolvência electrónica de forma muito organizada no seu caso, evita qualquer tipo de caos libertário que se possa imaginar; o EAE que terá a valorização de um artista processador de imagem em tempo real, forjará, acredito, uma meta música que deve bastante ao jazz.
A programação do JeA volta a incluir grandes formações. Conseguimos identificar um fenómeno recente de transposição para os dias de hoje da tradição das big bands americanas?
A inclusão de grandes formações, habituais nas programações do Jazz em Agosto, são possíveis pelo orçamento do festival, dado adquirido, constituindo uma das suas diferenças no universo português. As grandes formações inovadoras da actualidade, mesmo americanas, não se regem pela das big bands originais, organizações de 15 elementos com piano, secção rítmica + naipes de trompetes, saxofones, trombones. Existe mais liberdade agora na constituição das orquestras, que deixaram de ter a rigidez das big bands, até porque, o trabalho dos compositores e conceptualistas do jazz que as formam e dirigem, é muito mais evoluído.
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