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Jazz em Agosto 2009, entrevista a Rui Neves



A menos de um mês para o arranque da 26ª edição do Jazz em Agosto, fixamos um conjunto de ideias colocadas a Rui Neves, programador do festival de Jazz da Fundação Gulbenkian.

Uma provocação inicial, que me parece ser o paradigma com que esta música a que chamamos Jazz sempre teve de (con)viver. O Jazz há muito que rompeu com as suas próprias fronteiras de estilo e os criadores actuais fomentam a experimentação e o contacto com e a partir de outras músicas. O festival da Gulbenkian tem conseguido acompanhar e evidenciar as diferentes mutações desta música viva. Alguma vez pensaram em mudar o nome ao festival? Ainda é Jazz o que se vai ouvir no festival?

O Jazz em Agosto, como muito bem diz, tem acompanhado as mutações do jazz, naquilo que, por nós, se tem assumido como sincrónico, mas também diacrónico, o que significa compreender de onde vem. As programações, apesar de apresentarem, por vezes, tendências desviadas e polémicas, contêm na sua maior extensão exemplos de expressões de puro jazz, as mais inovadoras, bem entendido. Eis porque não há qualquer razão de alterar a designação do festival, sobretudo, hoje, num tempo de fragmentação, de fractalização e de marketing exacerbado da própria designação jazz que vemos utilizada para propósitos que pouco têm a ver com esta música e, nem sequer falando de perfumes e marcas de automóveis: os 'festivais de jazz' proliferam ... O que é significativo e interessante, contudo, é verificar em expressões mais radicais da improvisação feita de várias maneiras e utilizando meios diversificados, o que nelas é visível e audível como traços do jazz (fractalização). Assegurarei que, de facto, o Jazz em Agosto ainda é um festival de jazz, não convencional, porque reflecte tendências actuais provindas de músicos exponenciais como os que têm sido apresentados desde 1984 e por isto, fazendo eco da construcção da sua história desde a 2ª metade do séc. XX.

Fred Frith no Jazz em Agosto
Fred Frith, Improvisador, 2006


Arrisco um pouco mais: mantendo a âncora em conceito "Jazz", quem tem a missão de programar não perde graus de liberdade que tornariam possíveis agendar encontros com músicos que se movem, por exemplo, no Noise, ou em experimentalismos electrónicos, ou mesmo em algum Rock mais transgressor?

Para quem tenha estado atento às sucessivas ofertas do Jazz em Agosto, e sobretudo a partir do ano 2000, à porta do séc. XXI, verifica que as tendências apontadas têm sido expostas. Já presentes no JeA e contemplando essas tendências, destaco o grupo Supersilent em 2000, Harriet Tubman Double Trio com DJ Logic e DJ Singe em 2001, 4 Walls e The Necks em 2003, a Regenorchester XI do trompetista Franz Hautzinger e o duo Martin Tétreault/Otomo Yoshihide em 2004, o trio Mephista e o Captain Beefheart Project de Phillip Johnston e Gary Lucas FAST'N'BULBOUS em 2005, Mandarin Movie em 2006, no ano passado John Zorn e Fred Frith, entre outros. Este ano e dentro do DJing experimental com conotações políticas, teremos o projecto Rough Americana de DJ Mutamassik e Morgan Craft bem como o projecto SEQUEL de George Lewis.

John Zorn and Fred Frith in Lisbon
John Zorn e Fred Frith, Jazz em Agosto 2008

Há uma nova importância do trompete na prática do Jazz? Conseguir juntar num mesmo festival nomes como Bill Dixon, Dave Douglas, Rob Mazurek e Peter Evans, tem algum objectivo específico? São estes os Ícones e Inovadores, que dão mote ao festival?

Existe, de facto, uma nova importância do trompete do jazz, pelos músicos novos que surgem, mas este olhar dependerá da capacidade de cada um de ampliar o fenómeno quando, por exemplo, temos consciência da fisiologia do instrumento. O trompete é um instrumento difícil e que exige muita disciplina e preparação. Se repararmos nas deformações que provoca - os lábios de Louis Armstrong, as bochechas de Dizzy Gillespie ou Don Cherry, os problemas de saúde de Freddy Hubbard - compreenderemos melhor o toque de Midas de certos músicos quando os ouvimos e, como os que poderemos ouvir este ano no JeA: Peter Evans, Dave Douglas, Rob Mazurek ou Bill Dixon, afinal um verdadeiro congresso do trompete contemporâneo. Claro que o epíteto de Ícones e Inovadores assenta-lhes: Bill Dixon é certamente icónico pelo peso da história que transporta, os restantes, sem dúvida, inovadores, na categoria trompete. Mas também são detectáveis ou sugeridos, na programação deste ano, George Lewis, Lawrence B. “Butch” Morris, Tim Berne, dos quais se poderá dizer: inovadores, hoje e ícones, amanhã.

George Lewis no Jazz em Agosto
George Lewis, 2007

Tem acontecido ao longo da história do JeA nomes maiores voltarem a tocar na FCG em diferentes edições do festival. Este ano volta a acontecer, por exemplo, com George Lewis, que abriu o Festival em 2007 e inaugura a edição 2009, Rob Mazurek tinha estado em 2002 e 2006, "Butch" Morris que visitou Lisboa em 2001, Dave Douglas em 1997, etc, etc. É esta a forma que o JeA tem para ajuda a escrever a história do Jazz? Faz parte da missão do festival?

Não existe qualquer ideia de constituir um core de músicos que se revezem ao longo do tempo, como se pertencessem a uma casta, conforme a pergunta poderá sugerir formulada a certas mentes ... é, sim, uma forma, como diz, de escrever a história contemporânea do jazz. O que acontece é verificar-se uma actividade sempre renovada e criativa de certos músicos, logo, merecedora de exposição: George Lewis actuou em 2000 com um quarteto de trombones, em 2007 em Trio com Muhal Richard Abrams e Roscoe Mitchell, agora com o projecto electro acústico SEQUEL; Rob Mazurek já surgiu com o Chicago Underground Quartet em 2002, com o projecto Mandarin Movie em 2006, agora com a Exploding Star Orchestra que inclui Bill Dixon; Lawrence D. "Butch" Morris em 2001 na estreia mundial da peça Folding Space, agora com uma orquestra, a NUBLU, no seu estilo de condução. Se existe uma missão do festival é, precisamente, apresentar músicos relevantes com provas dadas ou a dar e veicular valores estéticos e artísticos sem intenções comerciais no sentido da descoberta, congregar melómanos e ouvintes que se identifiquem com o que ouvem e que não é vulgar nem convencional.

Muhal Richard Abrams, Roscoe Mitchell e George Lewis no Jazz em Agosto
Muhal Richard Abrams, Roscoe Mitchell e George Lewis, 2007

Sente que tem vindo a criar uma comunidade de entusiastas em torno do festival? Os públicos vão sendo renovados ou são os suspeitos do costume ? Como é que a organização mede o pulso à audiência?

O Jazz em Agosto existe porque tem respostas convincentes das audiências, enquanto o seu aperfeiçoamanto em termos de produção executiva, tem contribuido para fidelizar essas audiências, adquirindo uma estabilidade. Temos optado por um dimensionamento de dez concertos diversificados, quatro em sala pequena (Auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian) e seis em Sala Grande (o seu anfiteatro ao ar livre) bem como filmes documentais de jazz inéditos em Portugal. Ao contrário da maioria de festivais que apresentam cabeças de cartaz e segundos planos, o JeA estabelece o mesmo nível artístico para todas as suas propostas, mesmo havendo diferenças de reconhecimento entre si (os que chamam mais público e os que chamam menos). Neste plano o conceito é absolutamente less is more. Renovação de públicos, suspeitos do costume, pulso da audiência: haverá sempre quem vem pela 1ª vez ou quem nunca falhe, mas é assim que a credibilidade se afirma; o pulso da audiência manifesta-se no local, na reacção directa ao concerto, na quantidade espectadores que acorrem na ordem das seis mil pessoas para o total da oferta e onde se detecta uma clientela internacional que tem aumentado.

Qual é o concerto do cartaz 2009 em que deposita maiores expectativas, pela surpresa que pode causar?

Sou suspeito e não consigo recomendar um determinado concerto ou concertos pois todos exibem expectativas bem fundadas. A ideia do Jazz em Agosto é a de que se possa assistir/fruir toda a sua oferta para melhor se compreender a coerência da sequência programada visto não ser, de todo, uma programação de retalhos ao sabor de modas.

Há algum músico ou projecto que gostasse de apresentar no JeA mas que nunca tenha conseguido trazer a Lisboa?

Nenhum, de facto, na actualidade, embora já tenha tido problemas no passado, mas apenas porque os músicos que, entretanto convidei, faleceram durante o processo: cito o pianista Chris McGregor e a sua Brotherhood of Breath em 1986, o clarinetista John Carter em 1991, o baterista Edward Vesala e a sua orquestra Sound & Fury em 2000, importantes músicos da história e que nunca actuaram em Portugal.


Como está o projecto anunciado de edição discográfica de alguns dos concertos do festival? Há lançamentos planeados?

Como será sabido, o Jazz em Agosto/Serviço de Música/Fundação Calouste Gulbenkian, tem um protocolo com a label Clean Feed de Lisboa consagrando concertos escolhidos do festival, a Jazz em Agosto Series e onde se encontram três concertos: Paul Dunmall Octet em 2002, CD "Bridging/The Great Divide Live", The Julius Hemphill Sextet em 2003, CD "The Hard Blues/Live in Lisbon", Otomo Yoshihide New Jazz Quintet, "ONJQ Live in Lisbon feat. Mats Gustafsson" em 2004. Existe, ainda, mais um concerto em disco, na label canadiana Úmbú, da Orquestra de Paul Cram em 2004. Na edição do ano passado, foi gravada a New Jazz Orchestra de Otomo Yoshihide a ser editado na Clean Fedd mais provavelmente em 2010. Em 2009 temos programado gravar o concerto do Quarteto do trompetista Peter Evans e que será o 1º deste seu grupo.

ONJO Live at Jazz em Agosto 2008
ONJO, Jazz em Agoto 2008

Entrevista e fotos,
António José Silva
twitter.com/ovvo

Entrevista a Rui Neves em 2007 | Mais fotos Jazz em Agosto

Comments

Sempre na vanguarda. Parabéns, António! Um grande abraço
Domingos Costa

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